Lei de Incentivo à Identificação de Sinais de Abuso Sexual e outras Formas de Violência contra Crianças e Adolescentes altera LDB, vigente desde novembro de 2023 (Lei 14.679/23)
- Jussinara Narvaz

- 12 de jul. de 2024
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Atualizado: 23 de jul. de 2024
SUA ESCOLA ESTÁ CUMPRINDO AS NOVAS DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO NACIONAL?

Lei 14.679/23, em vigor, desde novembro de 2023.
Altera a Lei 9.394 de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
Estabelece capacitação aos profissionais da educação para identificação dos sinais de abuso sexual e demais formas de violência.
Promulgada em 18 e publicada em 19 de setembro de 2023 no Diário Oficial da União, a Lei 14.679/23, conhecida como Lei de incentivo à identificação de violência e abuso sexual praticados contra crianças e adolescentes, está em vigor desde novembro de 2023. A referida lei federal alterou outras duas leis federais de fundamental relevância: no âmbito da educação - a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394/96) e, no âmbito da Saúde - a Lei Orgânica da Saúde (LOS) Lei 8.080, de 1990).
O conceito de criança e adolescente, nos termos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), define que são consideradas crianças as pessoas com até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes as pessoas na faixa etária de 12 a 18 anos de idade.
Na esfera da educação, a Lei 14.679/2023 alterou a LDB, incluindo a "...proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes entre os fundamentos da formação dos profissionais da educação...”, o que se deu pela inserção do o inciso IV, no parágrafo único, do art. 61 da LDB:
Art. 61(...)
Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos.
(...)
V - a proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes e o apoio à formação permanente dos profissionais de que trata o caput deste artigo para identificação de maus-tratos, de negligência e de violência sexual praticados contra crianças e adolescentes.(Inciso acrescido pela Lei nº 14.679, de 18/9/2023, publicada no DOU de 19/9/2023, em vigor 45 dias após a publicação)”. (grifei)
É relevante salientar que a quase totalidade dos profissionais vinculadas à educação, assim como o Ministério da Educação (MEC) já manifestaram o entendimento de que os profissionais da educação são todos os indivíduos que estão inseridos no ambiente escolar abrangendo diretores, professores, gestores, zeladores, porteiros, merendeiras, etc. A importância da capacitação de todos os implicados com a educação é crucial para que a proteção integral de crianças e adolescentes seja efetiva, em especial, acerca dos conhecimentos necessários para a identificação dos sinais de abuso sexual e violência.
Da mesma relevância é a formação permanente para a prevenção e combate ao abuso sexual e as diversas formas de violência perpetradas contra eles. Não menos relevante e urgente é a necessidade de ações concretas que, em cumprimento as novas diretrizes da educação nacional, venham disponibilizar o conhecimento necessário para a prevenção e combate ao abuso sexual e a violação de direitos de crianças e adolescentes. De forma concreta, objetiva e eficaz é que cursos, palestras e capacitações destinadas a todos os implicados no desenvolvimento de crianças e adolescentes para a identificação dos sinais de abuso sexual e demais formas de violência estarão dando efetividade a proteção integral.
O acolhimento, a escuta de forma adequada, a orientação às vítimas e seus responsáveis, o cumprir com o dever de sigilo dentre outras obrigações e cuidados são algumas das habilidades fundamentais para o efetivo cumprimento da proteção integral como novo fundamento previsto lá LDB para a formação e capacitação continua de educadores e demais integrantes da comunidade escolar.
A importância da participação dos profissionais da educação na prevenção e combate ao abuso sexual e demais formas de violência, especialmente contra crianças, ressalta a necessidade premente de que todos estejam devidamente capacitados para identificar e tomar as providências cabíveis ao identificar sinais de violação de direitos e o descumprimento da proteção integral a que têm direito. Este imperativo é corroborado pelos dados apresentados no 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública(2023) [2], como se pode observar: foram 73.024 mil casos, sendo 56.820 de estupro de vulnerável (aquele em que a vítima é menor de 14 anos de idade ou ter ela alguma enfermidade ou deficiência mental ou que esteja temporariamente, por qualquer razão, impedida de dar um consentimento consciente); o total de registros de estupro de vulnerável, a vítima tinha até 13 anos em 40.659 dos casos = a 61,4% de todos os estupros registrados em 2022; observando o quadro de prevalência dos estupros por idade verificamos uma curva ascendente até chegar ao pico, de vítimas com 13 anos, e depois uma curva descendente que ainda tem alguma expressão até os 17 anos; a maioria das vítimas de estupro no Brasil são meninas entre 10 e 13 anos; meninos representam 14% dos casos, sendo que 43,4% entre 5 e 9 anos de idade; do total de registros de estupro de vulnerável, a vítima tinha até 13 anos em 61,4% dos casos; a residência continua sendo o local mais perigoso, onde 72,2% dos casos ocorrem; o local do crime á facilmente compreendido quando se sabe que, em 71,5% das vezes, o estupro é cometido por um familiar; dos estupros registrados com autoria: 44,4% foram cometidos por pais ou padrastos; 7,4% por avós; 7,7% por tios; 3,8% por primos; 3,4 % por irmãos; 4,8% por outros familiares; 1,8% dos casos apontam a mãe ou madrasta como autora da violência; um dado novo que chama a atenção é que 6,7% dos registros apontam vizinhos como autores da violência e 29 registros contra professores.
“Estudos recentes sobre abuso sexual contra crianças no período da pandemia têm sugerido que o fechamento das escolas em função das medidas de isolamento social pode ter ampliado a vulnerabilidade de crianças e, inclusive, que parte das notificações decorre de abusos iniciados e/ou ocorridos durante o lockdown, mas que só vieram à tona quando as crianças voltaram a frequentar as escolas.(...)”(grifei)
“(...)A pesquisa de Paramasivan et al (2023) em Tamil Nadu, na Índia, demonstrou que os registros de abuso sexual caíram fortemente durante a primeira e a segunda ondas de covid-19, períodos de fortes restrições de mobilidade e fechamento de diferentes equipamentos, inclusive escolas, mas observou crescimento agudo das notificações no período posterior às restrições.”(grifei)
Tal constatação não foi diferente em outros países e assim ocorreu no Brasil, ratificando a fundamental necessidade de participação dos profissionais da educação para identificar os sinais de abuso sexual, negligência, outras formas de violência e violação de direitos a que estejam sendo submetidos.
“(...)No mesmo sentido o e o estudo de Stevens et al (20216), no Quênia, indicou que o fechamento das escolas ampliou a vulnerabilidade de crianças à violência sexual e que a pandemia determinou mudanças nos padrões de vitimização, com vítimas mais jovens, sofrendo violência em horário comercial, em residências e por conhecidos.(grifei)

O panorama da violência no Brasil, segundo dados apresentados pelo 17 º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2023) revela um elevado índice de crianças e adolescentes vítima de abuso sexual e violência. Isso justifica a necessidade e exigência do preparo dos profissionais da educação pro meio de capacitações estabelecidas pelas alterações trazidas com a Lei 14.679/23 (Lei de incentivo à identificação de violência e abuso sexual praticados contra crianças e adolescentes). Essas mudanças resultaram na inclusão de dispositivo legal na LDB – Lei 9.394/96, enfatizando a proteção integral como fundamento da formação de educadores, com objetivo de capacitá-los a identificar sinais de possíveis abusos sexuais e de violações de direitos aos quais crianças ou adolescentes possam estar sujeitos. Todos os indivíduos envolvidos no desenvolvimento de crianças e adolescentes, especialmente os educadores em efetivo exercício de suas atividades escolares, devem estar aptos a identificar sinais de abuso sexual e violação de direitos.
Segundo dados Observatório de Direitos Humanos (ObservaDH)[3] disponibilizados pelo Censo Demográfico do IBGE e pelo Painel de Dados da Ouvidora Nacional de Direitos Humanos[4], no primeiro semestre de 2024, o maior número de denúncias e violações registradas foi no grupo de vulneráveis (crianças ou adolescentes) o totalizando 145.780 denúncias e 841.887 violações. Dentre essas, 13.084 foram denúncias de estupro de vulnerável. No Brasil, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são submetidos à situações de exploração sexual. No Rio Grande do Sul, uma criança é estuprada a cada 3 horas.[5] O Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde, aponta que o Rio Grande do Sul tem,” 27 casos diários de violência contra crianças e adolescentes”[6], ocupando o segundo lugar entre os estados brasileiros com 25% das notificações, destacando-se a subnotificação, que atinge preocupantes 10% dos casos.
O raciocínio é simples e o resultado evidente: a participação e o preparo de toda a sociedade, especialmente dos profissionais da educação no ambiente escolar, são elementos fundamentais no exercício da proteção integral de crianças e adolescentes.

A capacidade de escuta e o acolhimento adequado, quando devidamente preparados, facilitam a aproximação entre os profissionais da educação e os jovens, possibilitando a identificação de sinais de violação de direitos, abuso e outras formas de violência. Isso viabiliza denúncias e as providências necessárias e obrigatórias.
Diante dos dados apresentados, as alterações trazidas pela Lei 14.679/23 à LDB, que estabelece a necessidade de capacitação dos profissionais da educação, para que estejam aptos a identificar os sinais de abuso sexual e demais formas de violência, a legislação criou instrumento de ação eficaz para o exercício da proteção integral nos termos da legislação brasileira. Instalar mecanismos de combate ao abuso sexual infantil e à violência perpetradas contra crianças e adolescentes é imperativo.
A formação e a capacitação contínua dos profissionais da educação, em cumprimento à nova legislação, proporcionará o acesso necessário às informações e conhecimentos para identificar, ouvir, acolher, orientar e proteger as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, negligência e todas as formas de violência a que possam estar expostas.
[1] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://apidspace.universilab.com.br/server/api/core/bitstreams/b8f1896e-8bd9-4809-a9ee-85b82245dcf2/contente. Acessado em: 10 de jul. de 2024
[2] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Publica: São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023.Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acessado em 11 de jul. de 2024.
[3] Disponível em: https://experience.arcgis.com/experience/6a0303b2817f482ab550dd024019f6f5/page/CA---Quem-s%C3%A3o-e-quantas-s%C3%A3o%3F/ Acessado em 10 de jul. de 2024.
[4] Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/painel-de-dados/2023. Atualizado em 02/07/2024 11h14. Acessado em 11 de jul. de 2024.
[5] FAMURS. Dados de notícia publicada em 14 ago. de 2023. Disponível em: https://famurs.com.br/ Acessado em: 10 de jul de 2024.
[6] Disponível em: https://famurs.com.br/noticia/3414#:~:text=Segundo%20o%20Sistema%20de%20Informa%C3%A7%C3%B5es,%2C%20com%2025%25%20das%20notifica%C3%A7%C3%B5es. Acessado em: 10 de jul. de 2024.

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